Estamos trazemos aos nossos amigos leitores a transcrição de um
capitulo do livro “Orixás”, escrito por Pierre Edouard Leopold Verger um
importante fotógrafo e etnólogo autodidata franco-brasileiro no século
XX. Assumiu o nome religioso Fatumbi.
Era também babalawo (sacerdote Yoruba) que dedicou a maior parte de
sua vida ao estudo da diáspora africana - o comércio de escravo, as
religiões afro-derivadas do novo mundo, e os fluxos culturais e
econômicos resultando de e para a África.
Após a idade de 30 anos, depois de perder a família, Pierre Verger
levou a carreira de fotógrafo jornalístico. A fotografia em preto e
branco era sua especialidade. Usava uma máquina Rolleiflex que hoje se
encontra na Fundação Pierre Verger.
Durante os quinze anos seguintes, ele viajou os quatro continentes e
documentou muitas civilizações que seriam apagadas logo através do
progresso, um dos resultados desse período nosso amigo leitor pode
acompanhar logo abaixo.
Desejamos a todos uma excelente leitura.
OGUM (ÒGÚN)
Ògún na África
Ogum, como personagem histórico, teria sido o filho mais velho de
Odùduà, o fundador do Ifé. Era um temível guerreiro que brigava sem
cessar contra os reinos vizinhos. Dessas expedições, ele trazia sempre
um rico espólio e numerosos escravos. Guerreou contra a cidade de Ará e a
destruiu. Saqueou e devastou muitos outros Estados e apossou-se da
cidade de Ire, matou o rei, aí instalou seu próprio filho no trono e
regressou glorioso, usando ele mesmo o título deOníìré, “Rei de Ire”.
Por razões que ignoramos Ogum nunca teve direito de usar uma coroa
(adé), feita com pequenas contas de vidro e ornada por franjas de
miçangas, dissimulando o rosto, emblema da realeza para os iorubas. Foi
autorizado a usar um simples diadema, chamadoàkòró, e isso lhe valeu ser
saudado, até hoje sob os nomes de Ògún Oníìré e Ògún Aláàkòró inclusive
no Novo Mundo, tanto no Brasil como em Cuba, pelos descendentes dos
iorubas trazidos para esses lugares.
Ogum teria sido o mais enérgico dos filhos de Odùduà e foi ele que se
tornou regente do reino de Ifé quandoOdùduà ficou temporariamente cego.
Ogum decidiu, depois de numerosos anos ausente de Irê, voltar para
visitar seu filho. Infelizmente, as pessoas celebravam, no dia da sua
chegada, uma cerimônia em que os participantes não podiam falar sob
nenhum pretexto. Ogum tinha fome e sede; viu vários potes de vinho de
palma, mais ignorava que estivessem vazios. Ninguém o havia saudado ou
respondido às suas perguntas. Ele não era reconhecido no local por ter
ficado ausente por muito tempo. Ogum, cuja paciência é pequena,
enfureceu-se com o silêncio geral, por ele considerado ofensivo. Começou
a quebrar com golpes de sabre os potes e, logo depois, sem poder se
conter, passou a cortar as cabeças das pessoas mais próximas, até que
seu filho apareceu, oferecendo-lhe as suas comidas prediletas, como cães
e caramujos, feijão regado com azeite-de-dendê e potes de vinho de
palma. Enquanto saciava sua fome e sua sede, os habitantes de Ire
cantavam louvores onde não faltavam a menção a Ògúnjajá, que vem da
frase Ògún je aja (Ogum come cachorro), o que lhe valeu o nome de
Ògúnjá. Satisfeito e acalmado Ogum lamentou seus atos de violência e
declarou que já vivera bastante. Baixou a ponta de seu sabre em direção
ao chão e desapareceu pela terra adentro com uma barulheira assustadora.
Antes de desaparecer, entretanto, ele pronunciou algumas palavras. A
essas palavras, ditas durante uma batalha, Ogum aparece imediatamente em
socorro daquele que o invocou. Porém elas não podem ser usadas em
outras circunstâncias, pois, se não encontra inimigos diante de si, é
sobre o imprudente que Ogum se lançará.
Como orixá, Ogum é o deus do ferro, dos ferreiros e de todos aqueles
que utilizam esse material: agricultores, caçadores, açougueiros,
barbeiros, marceneiros, carpinteiros, escultores. Desde o início do
século, os mecânicos, os condutores de automóveis ou de trens, os
reparadores de velocípedes e de máquinas de costura vieram juntar-se ao
grupo de seus fiéis.
Ogum é único, mas, em Ire, diz-se que ele é composto de sete partes. Ògún méjeje lóòde Ire,
frase que faz alusão às sete aldeias, hoje desaparecidas, que existiam
em volta de Ire. O número 7 é, pois, associado a Ogum e ele é
representado, nos lugares que lhe são consagrados, por instrumentos de
ferro, em número de sete, catorze ou vinte e um, pendurados numa haste
horizontal, também de ferro: lança, espada, enxada, torquês, facão,
ponta de flecha e enxó, símbolos de suas atividades.
Uma história de Ifá, publicada em outra obra, explica como o número 7
foi relacionado a Ogum e o número 9 a Oiá-Iansã. Conta a lenda:
“Oiá era companheira de Ogum antes de se tornar a mulher de Xangô.
Ela ajudava o deus dos ferreiros nos seus trabalhos; carregava
docilmente seus instrumentos, da casa à oficina, e aí ele manejava o
fole para ativar o fogo da forja. Um dia, Ogum ofereceu a Oiá uma vara
de ferro, semelhante a uma de sua propriedade, e que tinha o dom de
dividir em sete partes os homens e em nove as mulheres que por ela
fossem tocados no decorrer de uma briga.
Xangô gostava de vir sentar-se à forja a fim de apreciar Ogum
bater o ferro e, frequentemente, lançava olhares Oiá; esta, por seu
lado, também o olhava furtivamente. Xangô era muito elegante, muito
elegante mesmo, afirmava o contador da história. Seus cabelos eram
trançados como os de uma mulher e usava brincos, colares e pulseiras.
Sua imponência e seu poder impressionaram Oiá. Aconteceu, então, o que
era de se esperar: um belo dia ela fugiu com ele. Ogum lançou-se a sua
perseguição, encontrou os fugitivos e brandiu sua vara mágica. Oiá fez o
mesmo e eles se tocaram ao mesmo tempo. E, assim Ogum foi dividido em
sete partes e Oiá em nove, recebendo ele o nome de Ògún Mejé e ela o de
Iansã, cuja origem vem de Iyámésàn a mãe (transformada em) nove.”
Ogum é também representado por franjas de folhas de dendezeiros
devidamente desfiadas, chamadas màrìwò. Elas serviam de vestimenta aos
Igbá Imolè, os duzentos deuses da direita, dos quais fala Epega, aqueles
que, tendo se conduzido mal, foram destruídos por Olodumaré, com
exceção de Ogum, que se tornou assim o guia, o condutor dos Irun Imolè,
os quatrocentos deuses da esquerda, os únicos, segundo ainda Epega, de
que se pode falar sem perigo.
Essesmàrìwò, pendurados acima das portas e janelas de uma casa ou à
entrada dos caminhos, representam proteção, barreiras contra as más
influências. Os lugares consagrados a Ogum ficam ao ar livre, na entrada
dos palácios dos reis e nos mercados. Estão presentes também na entrada
nos templos de outros orixás. São geralmente pedras em forma de bigorna
colocadas perto de uma grande árvore,àr àbà (Ceiba pentandra), ou
protegidas por uma cerca de plantas nativas chamadaspèr ègùn (Dracaena
fragrans) ou dea kòro (Newbouldia laevis). Nesses locais,
periodicamente, realizam-se sacrifícios de cachorros e galos,
acompanhados de oferendas de vinho de palma e pratos de feijão e inhame
cozidos e regados com azeite-de-dendê.
O culto de Ogum é bastante difundido no conjunto dos territórios de
língua ioruba e em certos países vizinhos, gêges, como o ex-Daomé e o
Togo, onde é chamado de Gun. Ogum é, provavelmente, o deus ioruba mais
respeitado e temido. Tomá-lo como testemunha no decorrer de uma
discussão, tocando com ponta da língua a lâmina de uma faca, ou um
objeto de ferro, é sinal de sinceridade absoluta. Um juramento feito
evocando-se o nome de Ogum é o mais solene e digno de fé que se possa
imaginar, comparável àquele que faria um cristão sobre a Bíblia ou um
mulçumano sobre o Corão.
A vida amorosa de Ogum foi muito agitada. Ele foi o primeiro marido
de Oiá aquela que se tornaria mais tarde mulher de Xangô. Teve, também
relações com Oxum antes que ela fosse viver com Oxossi e com Xangô. E
também com Oba, a terceira mulher de Xangô, e Eléfunlósunlórí,
Aquela-que-pinta- sua-cabeça-com-pós-branco-e-vermelho, a mulher de
Òrìsà Oko. Teve numerosas aventuras galantes durante suas guerras,
tornando-se, assim, pai de diversos orixás, como Oxossi e Oranian.
A importância de Ogum vem do fato de ser ele um dos mais antigos dos
deuses iorubas e, também, em virtude da sua ligação com os metais e
aqueles que os utilizam. Sem sua permissão e sua proteção, nenhum dos
trabalhos e atividades úteis e proveitosas seriam possíveis. Ele é,
então e sempre, o primeiro e abre o caminho para os outros orixás.
Entretanto, certos deuses mais antigos que Ogum, ou originários de
países vizinhos aos iorubas, não aceitam de bom grado essa primazia
assumida por Ogum, o que deu origem a conflitos entre ele e Obaluaê e
Nanã Buruku, dos quais falaremos mais adiante. Osoríkì de Ogum
demonstram seu caráter aterrador e violento:
“Ogum que, tendo água em casa, lava-se com sangue”.
Os prazeres de Ogum são os combates e as lutas.
Ogum come cachorro e bebe vinho de palam.
Ogum, o violento guerreiro, O homem louco com músculos de aço, O terrível ebora que se morde a si próprio sem piedade.
Ogum que come vermes sem vomitar.
Ogum que corta qualquer um em pedaços mais ou menos grandes.
Ogum que usa um chapéu coberto de sangue.
Ogum, tu es o medo na floresta o temor dos caçadores.
Ele mata o marido no fogo e a mulher no fogareiro.
Ele mata o ladrão e o proprietário da coisa roubada.
Ele mata o proprietário da coisa roubada e aquele que critica esta ação.
Ele mata aquele que vende um saco de palha e aquele que o comprar.
Mas os guerreiros, mesmo os valorosos, têm algumas vezes momentos de
fraqueza. Uma lenda africana nos conta como Ogum, voltando de uma
guerra, em companhia de sua mulher, deixa-se atemorizar pelo coaxar das
rãs, e como ele cortou a cabeça de sua mulher, que o havia humilhado
contando essa aventura em público. Essa mesma lenda foi publicada por
Lydia Cabrera, que a recolheu em Cuba.
Cerimônias para Ogum
Cerimônias dignas de serem mencionadas celebravam-se com regularidade
na região de Ahori (no lado nigeriano) ou Holi (no lado daomeano),
realizavam-se todas no dia da semana ioruba dedicado a Ogum, ou seja, de
quatro em quatro dias. Os ose nla (grandes domingos) alternavam se com
os ose kékeré (pequenos domingos); os primeiros tinham mais esplendor
que os outros. Esta região Ahori-Holi ficava relativamente preservada da
ação civilizadora das administrações coloniais e daquelas que as
sucederam. A estrada que atravessa Holi, ligando Kêto ao sul de
ex-Daomé, só foi aberta em 1953, em virtude da natureza pantanosa de
algumas partes dessa região, ou seja, apenas sete anos antes da
independência desses países.
Citamos, a seguir, alguns dos numerosos templos de Ogum nessas paragens:
- Ogún Igiri em Adja Were,
- Ogún Edeyi em Ilodo,
- Ogún Ondó em Pobê, em Igbó-Isso e em Irokonyi,
- Ogún Igboigbo em Ixedé,
- Ogún Elénjo em Ibanion e em Modogan,
- Ogún Agbo em Ixapo,
- Ogún Olópe em Ixedé Ije,
- Ogún Absan em Ibanigbe Fuditi.
Trata-se de um só e único ogum, cujo segundo nome designa ou o lugar
de origem, como Ondô, ou o nome do fundador, ou, ainda, o nome de uma
divindade como no último da relação, para qual ele serve de guardião.
O aspecto desses templos era notável. Situados, geralmente, em
lugares calmos e isolados, no meio de uma clareira cercada de arvores
frondosas. Apresentavam a forma semelhante a de uma cabana redonda, com
telhado cônico e pontiagudo, precedidos por uma galeria ornada com
pilastras esculpidas. Construídos com materiais locais: engradamento de
madeira, telhado de palha ou de folhas de palmeira trançadas, paredes
feitas de bambu.
Os templos dedicados a Ogún Ondô eram de estilo diferente. Todos eles
tinham em comum o telhado de cumeeira alta, com duas águas descendo
quase até o chão. Vistos de frente, pareciam uma muralha elevada, tendo,
ao nível do solo, uma entrada cuja verga era tão baixa que só se podia
penetrar no interior do templo curvando-se muito, de maneira respeitosa,
ou então rastejando-se com apoio dos cotovelos e joelhos.
O templo de Igbo-Isso, apresentado neste trabalho, perto de Aba,
conservou essas características. O de Podê, que conhecemos em 1936, era
um edifício majestoso com telhados de palha, alto e pontudo, mas,
infelizmente, católicos zelosos, estimulados pelos sermões
“incendiários” de um reverendo missionário que, do púlpito, esbravejava
sempre contra as religiões pagãs, julgaram por bem “ajudar a
Providência” ateando fogo ao templo de Ondó numa noite de verão. Foi uma
bela fogueira cuja consequência foi a reconstrução do templo, com
material à prova de fogo, coberto por um telhado de zinco ondulado,
semelhante a um galpão ou um galinheiro. Para dar graça ao conjunto e,
ao mesmo tempo, amedrontar os incendiários, desenharam, acima da porta,
dois leopardos mostrando todas as suas garras.
As cerimônias Ose nlà, em Ògún Ondó, realiza-se numa grande praça, de
cerca de cem metros de comprimento por trinta de largura, que era
antigamente, uma clareira no meio de uma floresta. Com o tempo essa
floresta ficou reduzida a uma estreita faixa de árvores, formando uma
cortina medíocre entre o recinto sagrado e a cidade. O templo de Ondó
esta situado em um dos lados maiores do retângulo. Defronte, encontra-se
outro templo menor e circular, dedicado a Arè, e no fundo, onde devia
ser antigamente a entrada da clareira, um templo igualmente circular, de
Èsù Elegbára. Este conjunto se completa por dois pequenos cercados
quadrados, de cinquenta centímetros de lado, chamados sidomosun. Num
deles, no começo da cerimônia, colocam-se oosun de cada um dos
principais dignitários; o outro é reservado aoosun de Olúponahá ainda,
em diversos locais, troncos de árvores deitados no chão, servindo de
assento aos diversos participantes da cerimônia.
Os principais oficiantes do culto de Ògún Ondó são:
- Aláàse, responsável pelo àse do orixá. Ele não entra em transe e seu papel é semelhante ao dos Mogbà Sangó, do qual trataremos mais adiante.
- Aláà era antigamente o chefe religioso mais importante da comunidade e é, ainda, saudado com um título deKábiyèsí, reservado aos reis. Ele senta-se durante a cerimônia ao lado do templo de Ògún Ondó.
- Saba que é assistente de Aláàse, entra em transe de possessão por Ògun Ondó durante o ose;
- Okere, assistente de Saba; são dois em geral, e ambos são possuídos (montados porgùn) por Ògún Ondó. Se sentam lado a lado, perto do idomosum.
- Isa, que cuida de Arè e toma lugar perto do seu templo, é durante a cerimônia possuído por esta divindade.
- Olápòna, que se ocupa de Exu e senta-se perto do seu templo, é por ele possuído por ele muitas vezes, é acompanhado por umOlápòna de um outro templo de Ogún, vindo de alguma cidade vizinha.
Há ainda cerca de outros vinte olóyè, portadores de títulos, que não
entram em transe e têm, cada um deles, seu lugar reservado, de onde
assistem a cerimônia e dela participam. Entre eles há os egbenlá, os
soldados de Ogum, armados com grandes facões e longos bastões.
Duas mulheres consagradas aDúdúa, nome dado na região a Òrìsàálá,
sentam-se perto dos Oker e, mas permanecem como meras espectadoras e
contentam-se em bater em instrumentos de ferro, em sinal de respeitosa
atenção, nos momentos mais solenes. Há ainda asì yàwó (iaôs) deOndó, que
cantam em seu louvor.
Ao lado do templo de Are instala-se o conjunto, composto de três
atabaques e um agogô. Os atabaques são: uma aposi, pequeno tambor em
terracota; um ogidan, tambor alongado colocado rente ao chão; e o kele,
pequeno tambor com pés.
Os participantes do ose de Ògún Ondó chegam de manha cedinho.Aláàse,
Saba, os Okere ,Isa ou os Olúpona vestem-se com um pano colorido,
amarrado no ombro direito. Têm na cabeça um gorro de palha pontudo,
enfeitado com grandes penas de galo e penas vermelhas da cauda de
papagaios. Os pulsos são ornados com numerosas pulseiras de contas de
vidro de diversas cores. Eles trazem numa das mãos seusosun de ferro que
vão colocar noidomosun. Na outra mão, tem um facão e dois grandes
chocalhos (ààjà), que são batidos um no outro enquanto caminham. Olúpona
traz ainda um ogo, bastão esculpido de forma fálica.
Todos vão se sentar em seus respectivos lugares, com ar severo e
recolhido. As ìyàwó de Ògún Ondó em seguida trazendo oferendas de
alimentos para as divindades: Ògún Ondó, Are e Èsù. As grandes gamelas
são colocadas nas portas dos três templos. Saba, ajudado pelos Okere,
Isa e os Olúpona levantam-se com a cabeça descoberta, deixando seus
gorros, ààjà e facões em seus respectivos lugares e entram em atividade,
nos seus templos respectivos, colocados ali uma parte das oferendas
preparadas com inhame e feijão, regadas com azeite-de-dendê. Põem uma
porção desses alimentos em seusosun para que os antigos titulares do
posto, atualmente ocupados por eles, participem também da festa.
Em
seguida, fazem oferendas de divindade para divindade e para os
diversosolóyè. Isso provoca uma série de idas e vindas em que cada
divindade recebe, em troca de seus donativos, um contradonativo dos dois
outros. Resulta desses intercâmbios uma refeição comunitária em que
participam todos os espectadores do ose.
Os oficiantes do culto consultam as divindades utilizando nozes de
cola para verificarem se os deuses estão satisfeitos, em seguida alguns
dos dignitários vão se reunir em um local que era outrora uma clareira
adjacente, para deliberarem e comentarem o resultado das consultas. Ao
cabo de certo tempo, voltam e sentam-se nos lugares que lhe são
reservados.
Um período de calma sucede a toda essa agitação, após o que, os
músicos entram em ação. Executam uma série de invocações. Aláposi bate
alguns compassos em seu tambor aposi, que esta preso entre seus joelhos;
Ológidan, cavalgando seu instrumento ogidan colocado no chão, o
acompanha. Esses dois tambores formam um conjunto falante, emitem sons
ondulados, de acordo com a pressão mais ou menos intensa de uma das mãos
do executante sobre os couros dos tambores, invocando os deuses. O
terceiro tambor, kele, está no chão, diante de Oníkele, que nele bate
com duas varetas numa cadência extremamente rápida. Vez por outra ele é
substituído por um dos seus assistentes, que mantém o ritmo, com a mesma
cadência acelerada, criando com seu tom agudo uma atmosfera de tensão
nervosa que, em certos momentos, torna-se quase insuportável.
O conjunto toca assim, por períodos interrompidos por curtos e
repentinos momentos de silêncio. Essas interrupções contribuem para
criar uma sensação de ansiosa expectativa. Na sétima vez, os Olúpona dão
um grito estridente. A expressão de seus rostos transforma-se. Põem
gorro pontudo, pegam seusààjà e seus ogo, com eles tocam três vezes o
chão e levantam-se de um salto. Seus gritos são retomados por Saba,
pelos dois Okere, sentados lado a lado, e por I sa. Enquanto os
atabaques fazem suas chamadas, todos passam pelas mesmas fases de tensão
e de concentração progressivas. Apertam nervosamente suas mãos, com os
dedos entrelaçados, seus músculos se contraem, baixam a cabeça, fazem a
testa e cerram os dentes. São, então, possuídos respectivamente por Èsù,
Ògún Ondó e Are. Cada um deles dá um grito estridente e levanta-se de
um só impulso, saltando muito alto, e vão, apressadamente, reunir-se
diante do templo de Ògún Ondó.
A expressão dos rostos mudou de novo. Agora estão com um ar
descontraído, folgazão e vagamente alegre, balançando a cabeça e
resmungando frases inacabadas. Caminham com passos irregulares,
desajeitadamente, levantando muito os pés. Quando param, eles se
estremecem e oscilam para frente para trás, bem devagar.
O conjunto toca sem parar, mas em surdina. Oselégùn, possuídos pelos
deuses, com Olúpona à frente, partem em fila e correm ofegantes, com o
corpo inclinado para frente e arrastando os pés. Vão em direção à
entrada da clareira e a outros lugares, parando um momento agitado
seusààjà, saúdam os quatro cantos do mundo. Em seguida, vão cumprimentar
Aláàse, que esta sentado perto do templo de Ògún Ondó. Aproximam-se um a
um, passam cuidadosamente seus ààjà e seu facão para a mão direita e
com a esquerda apertam a deAláàse, sacudindo-a com força. Tocam três
vezes o chão com seus ààjà, entrechocam-nos com força e regularidade e
executam, assim uma verdadeira música de ferreiros que lembra o som do
martelo batendo sobre uma bigorna. Formulam, com voz de falsete votos de
prosperidade e de felicidade. Vão em seguida saudar da mesma forma
todos os dignitários, os tocadores de atabaques, os egbenlá e osìyàw ó
de Ògún Ondó. O ritmo da música transforma-se e torna-se cada vez mais
rápido. Os elégùn começam então a dançar, lado a lado, como numa
quadrilha e seguindo, cuidadosamente o compasso marcado pela música,
indo do templo de Ondó ao de Are. Recuando, voltam ao ponto de partida e
continuam dançando durante um bom tempo, um pouco pesadamente e em
diversas direções, marcando seus movimentos com o som de sinos
entrechocados. A música pára e oselégùn também. Passam a caminhar de um
lado para o outro, com passos ora apressados, ora indolentes, mas sempre
desajeitados e hesitantes. Eles profetizam, cantarolam e alternadamente
sorriem ou ficam carrancudos; levantam as sobrancelhas, arregalam os
olhos ou, com ar beato, exprimem votos aos presentes. Por fim, vão se
sentar em seu lugar habitual, resignadamente, com a cabeça baixa e o
queixo encostado no peito. Por instantes são agitados por tremores, mas
pouco a pouco, voltam a si e retomam sua expressão e comportamentos
habituais.
Para os fon do Daomé,Gun desempenha o mesmo papel que
Ogun dos iorubas, mas comoOdùdùa, é desconhecido em Abomey. Gun, aí, é
considerado o filho de Lisa e Mawu, versão fon de Orìsàálá e Yemowo.
Maximilien Quénum o compara a Legba e assinala sua presença diante das
forjas. Christian Merlo indica que todos os templos têm seu Gun, cuja
virtude é fortificar o vodun.
Ogum no Novo Mundo
Ogum no Brasil é conhecido, sobretudo como deus dos guerreiros.
Perdeu sua posição de protetor dos agricultores, pois os escravos, nos
séculos anteriores, não possuíam interesse pessoal na abundância e na
qualidade das colheitas e, sendo assim, não procuravam sua proteção
neste domínio. Isso explica, igualmente, pouco a pouco que os iorubas,
escravos no Brasil, deram ao Òrisà Oko, cujo culto continuou popular na
África. Como deus dos caçadores, Ogum foi substituído por Oxossi,
trazido à Bahia pólos africanos de Kêto, fundadores dos primeiros
candomblés desta cidade.
Ogum recebe na Bahia sete nomes próximos daqueles com os quais ele é
designado na África. Existem algumas variações nas listas dadas pelas
pessoas interrogadas, mas os nomes mais freqüentemente mencionados
parecem ser: Ogum Onirê, Ogum Akorô, Ogum Alagbedê, Ogunjá, ogum Mejê,
Ogum Omini, Ogum Warí.
As pessoas consagradas a Ogum usam colares de contas de vidro
azul-escuro e, algumas vezes, verde. Terça feira é o dia da semana que
lhe é consagrado. Como na África ele é representado por sete
instrumentos de ferro, pendurados em uma haste do mesmo metal, e por
franjas de folhas de dendezeiro desfiadas, chamadasmàrìwò.
Seu nome é sempre mencionado por ocasião de sacrifícios dedicados aos
diversos orixás no momento em que a cabeça do animal é decepada com uma
faca – da qual ele é o senhor.
É também o primeiro a ser saudado depois que Exú é despachado. Quando
Ogum se manifesta no corpo em transe de seus iniciados, dança com ar
marcial, agitando sua espada e procurando um adversário para golpear. É,
então, saudado com gritos de “Ogum ieee!” (“Olá, Ogum!”). É sempre Ogum
quem desfila na frente, “abrindo caminho” para os outros orixás, quando
eles entram no barracão nos dias de festa, manifestados e vestidos com
suas roupas simbólicas.
Na Bahia, Ogum foi sincretizado com Santo Antônio de Pádua.
Expressamos já num capítulo precedente nossa surpresa a respeito da
aproximação do deus ioruba e esse santo, geralmente representado com um
ar doce a envolvente, bem como a propósito das surpreendentes honras
militares que lhe foram concedidas. No Rio de Janeiro, é com São Jorge
que Ogum foi associado, o que é mais compreensível, pois ele é
representado em suas imagens como um valente guerreiro, vestido com uma
brilhante armadura, montado em um fogoso cavalo, às curvetas, e armado
com uma lança com a qual ele transpassa um dragão encolerizado.
Em Cuba, Ogum é sincretizado com São João Batista e São Pedro. No
Haiti, “a família dos Ogous engloba o conjunto dos loas nagôs, os orixás
iorubas. Encontra-se aí:
- O pai e chefe dos Ogous, Papa Ogou, sincretizado com São Tiago Maior;
- Ogou Ferraille, sincretizado com São Felipe;
- Ogou Olisha (Obatalá) sincretizado com São Raimundo;
- Ogou Balinjo (que existe na África em Dassa Zumê), sincretizando com São Tiago Menor ou São José;
- Ogou Djamsan (Iansã-Oiá) e Ossange (Ossain) fazem parte da mesma família dos Ogous, mas não sabemos com que santos eles são sincretizados;
- Enfim, Ogou Chango (Xangô), que, sob influência de Cuba, foi sincretizado com santa Bárbara.
Arquétipo
O arquétipo de Ogum é o das pessoas violentas, briguentas e
impulsivas, incapazes de perdoarem as ofensas de que foram vítimas. Das
pessoas que perseguem energeticamente seus objetivos e não se
desencorajam facilmente. Daquelas que nos momentos difíceis triunfam
onde qualquer outro teria abandonado o combate e perdido toda a
esperança. Das pessoas que possuem humor mutável, passando por furiosos
acessos de raiva ao mais tranqüilo dos comportamentos. Finalmente, é o
arquétipo das pessoas impetuosas e arrogantes, daquelas que se arriscam a
melindrar os outros por uma certa falta de discrição quando lhe prestam
serviços, mas que, devido à sinceridade e fraqueza de suas intenções,
tornam-se difíceis de serem odiadas.
Esse texto foi retirado do livro “Orixás” de Pierre Fatumbi Verger
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