quarta-feira, 1 de julho de 2015

Zélio Fernandino de Moraes – A história completa!

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Ele era um jovem como qualquer outro de sua época. Naqueles dias de início de século, acompanhava com satisfação e interesse as notícias a respeito de outros rapazes que ingressariam na Escola Naval. Era seu sonho trabalhar na Marinha, principalmente após concluir o curso propedêutico e já contar 17 anos de idade.

Contudo, alguma coisa parecia querer modificar seus planos. Algo estranho ocorria em seu interior; Vozes pareciam repercutir em sua mente, e ele temia estar ficando louco. Como compartilhar esse fato com seus pais?

Mesmo assim resolveu que iria ingressar na escola da Marinha. Não poderia voltar atrás com seu sonho. Começou então a caminhada em direção a seu ideal, que se esboçava naqueles dias que marcaram o ano de 1908, início do século XX.

Zélio de Moraes era um jovem sonhador.

Mas algo marcava profundamente o psiquismo do rapaz — ”uma espécie de ataque”, como classificava a família.

— Vez ou outra, Zélio parece ficar desmiolado — dizia a mãe.

Ele falava coisas incompreensíveis e parecia ficar todo torto, encurvado mesmo.

— Será que o menino está sofrendo da espinha? — Alguém da família perguntou, certa ocasião.

Não havia mais como disfarçar a situação, pois os ataques se repetiam com maior frequência. O jeito era levar o rapaz para uma consulta com o Epaminondas. Era um tio de Zélio, que trabalhava como coordenador do hospício de Vargem Grande.

Em uma conversa do Dr. Epaminondas com o pai de Zélio, o médico relatou:

— Nunca vi coisa desse jeito. O menino se modifica todo, e, para mim, ele não se enquadra em nada que a ciência consiga explicar.

— Mas se continuar assim ele vai acabar interrompendo seu curso na Escola Naval! O que fazer com esse menino? Será coisa do demônio? — Indagava o pai, aflito.

— Sei lá. De demônio eu não entendo nada. Imagine que, durante os dias em que examinei Zélio, ele começou a falar com um sotaque diferente, parecendo um velho que mal sabia falar português. Ele chegou até a dar umas receitas esquisitas de ervas e banhos, chás e outras coisas. Dizia, num linguajar estranho, que a recomendação era para um outro paciente que sofria de “mal da cabeça”...

— Deus me livre, Epaminondas! Esse menino está é cabeça afetada mesmo — respondia a mãe.

Zélio de Moraes retornou novamente à família após os exames do Dr. Epaminondas. Nada resolveu. Nova tentativa deveria realizar-se. Zélio foi encaminhado a um padre da família. Exorcismos e benzeções foram feitos, mas nada de o demônio sair; Em breve chegou-se conclusão de que nada daquilo surtiria efeito. Mesmo o padre desistiu logo, pois percebeu que suas rezas não valiam para aquele caso. Durante uma das sessões com o padre, Zélio estremeceu todo, encurvou-se e deu uma risada gostosa:

— Ih, seu padre, nóis já se conhece de outros tempo, né, Zinfinho?

— Conhece de onde? Eu não tenho parte com o demônio não.

— Hi, hi! Não é o diabo não, seu padre, é ieu mermo. Um véio bem maroto”

O padre benzeu a si próprio e deixou Zélio dentro da igreja, abandonando-o sem nada compreender. O rapaz novamente retorna ao lar, após o insucesso das tentativas paroquianas. Ainda bem que o padre era membro da família, senão o infeliz teria um outro fim. Outras técnicas de exorcismos foram aplicadas, mas o tal demônio de fala mansa não arredava pé: Zélio não melhorava de jeito nenhum.

A família desesperada, já procurava qualquer tipo de ajuda. Sem importar de onde vinha, se fosse para ajudar a resolver o caso de Zélio, qualquer auxílio seria bem-vindo. Não mais adiantavam benzeção, consulta com médico ou conselho de padre. Precisavam encontrar uma explicação e, principalmente, a cura para o estranho mal que acometera o rapaz.

Um dia, uma vizinha que era chegada à família sugeriu algo inusitado:

— Sabe de uma coisa, minha gente, pra mim esse negócio do Zélio não é coisa de demônio, nada. Isso cheira a Espiritismo! E espírito mesmo, e dos fortes.

— Espiritismo? E você por acaso conhece disso?

— Claro que sim! Ou você não sabe que eu sou entendida em muitas coisas da vida? Sei até que lá, em Niterói, tem um tal de seu José de Souza, que é presidente de um centro muito forte. É um tal de kardecismo.

A mãe de Zélio ficou lá matutando a respeito do Espiritismo e resolveu pedir socorro à vizinha. Sem pensar duas vezes, ela logo procurou colher informações sobre o centro espírita e pôde descobrir endereço e nomes das pessoas responsáveis.

Um dia, quando Zélio estava no meio de um de seus “ataques”, a família já completamente apavorada resolve procurar o centro espírita, como último recurso. Era a Federação Kardecista de Niterói. Ali chegaram com o rapaz no dia 15 de novembro de 1908, e quem os recebeu foi exatamente o presidente, o Sr. José de Souza.

A princípio a família Moraes ficou bastante inquieta com a situação. Na época, o simples fato de visitar um centro espírita já era algo assustador, devido ao preconceito e ao desconhecimento. Entre uma conversa e outra, descobriram que o Sr. José de Souza era alguém importante na Marinha: já naquela época, títulos e posições sociais eram ótimos cartões de visita. Logo se sentiram à vontade para conversar a respeito de Zélio.

Ali mesmo, na Federação, Zélio de Moraes agitou-se todo, e, como nas demais vezes, deu-se o chamado “ataque” que os familiares tanto temiam. O presidente, através da vidência, logo percebeu que se tratava do fenômeno da incorporação e que um ou mais Espíritos se revezavam falando através do jovem rapaz. Eram incorporações involuntárias, já que o médium não tinha controle consciente sobre o fenômeno.

Conduzido pelo Sr. Souza a uma reunião, Zélio já se encontrava em transe. O dirigente divisava claramente imagens e cenas que ocorriam em torno do médium, e a presença de uma entidade comunicante:

— Quem é você que fala através deste médium? O que deseja?

— Eu? Eu sou apenas um caboclo brasileiro. Vim para inaugurar algo novo e falar às pessoas simples de coração.

— Você se identifica como um caboclo, talvez um índio, mas eu vejo em você restos de vestes de um sacerdote católico. Não estará disfarçando sua aparência? Vejo-lhe o corpo espiritual.

— Sei que pode me ver. Mas asseguro-lhe que o que você percebe em mim são os sinais de uma outra existência, anterior a esta na qual adquiri a aparência indígena. Fui um sacerdote jesuíta, e, na ocasião, meu nome era Gabriel Malagrina. Fui acusado de bruxaria pela Igreja, sacrificado na fogueira da Inquisição por haver previsto o terremoto que destruiu Lisboa em 1755. Mas, em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio de nascer como um caboclo nas terras brasileiras.

— E podemos saber seu nome?

— Para que nomes? Vocês ainda têm necessidade disso? Não basta a minha mensagem?

— Para nós seria de muita ajuda saber com quem falamos. Quem sabe podemos ajudar mais sabendo também algo mais detalhado?

— Se é preciso que eu tenha um nome, digam que sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas, pois para mim não existem caminhos fechados. Venho trazer a Umbanda, uma religião que harmonizará as famílias, unirá os corações, falará aos simples e que há de perdurar até o final dos séculos.

— Mas que religião nova é esta e por que fazer o médium sofrer assim?

— A nova religião virá, e não tardará o tempo em que ela falará aos corações mais simples e numa linguagem despida de preconceito. Entre o povo do morro, das favelas, das ruas e dos guetos, será entoada uma cantiga nova. O povo receberá de seus ancestrais o ensinamento espiritual em forma de parábolas simples, diretamente da boca de pais-velhos e caboclos. Quanto ao que você chama de sofrimento do médium, é apenas uma fase de amadurecimento de sua mediunidade. Vocês é que interpretam como sofrimento; Para nós, é apenas uma forma de adaptarmos o aparelho mediúnico ao trabalho que espera por ele. Depois, todo esse incômodo cessará. O que tiver de vir, virá.

— Mas se já existem tantas religiões no mundo e também temos o Espiritismo, você acha que mais uma religião contribuirá para alguma coisa positiva? Por que essa forma fluídica de caboclo ou, como você diz, de pai-velho? Isso é necessário?

— Deus, em sua infinita bondade, estabeleceu a morte como o grande nivelador universal. Rico ou pobre, poderoso ou humilde se igualam na morte, mas vocês, que são preconceituosos, descontentes por estabelecer diferenças apenas entre os vivos, procuram levar essas diferenças até além da morte. Por que não podem nos visitar os humildes trabalhadores do espaço se, apesar de não haverem sido pessoas importantes na Terra, também trazem importantes mensagens da Aruanda? Por que não receber os caboclos e pretos-velhos? Acaso não são eles também filhos do mesmo Deus?

— O que você quer dizer com a palavra Aruanda?

— Aruanda é o mundo espiritual, os trabalhadores da Aruanda são todos aqueles que levantam a bandeira da liberdade.

Depois de mais algumas perguntas feitas pelo dirigente da reunião espírita, o caboclo continuou:

— Este planeta mais uma vez será varrido pela dor, pela ambição do homem e pelo desrespeito às leis de Deus. A fúria logo irá fazer suas vítimas. As mulheres perderão ali a vergonha. Uma onda de sangue varrerá a Europa, e, (quando todos acharem que o pior já foi atingido, uma outra onda de sangue, muito pior do que a primeira, envolverá a humanidade, e um único engenheiro militar será capaz de destruir, em segundos, milhares de pessoas. O homem será vítima de sua própria máquina de destruição.

— Vejo que você se faz um profeta...

— Assim como previ o terremoto de Lisboa em 1755, trago hoje em minhas palavras um pouco do futuro do mundo; Mas agora já não podem matar o corpo, pois este está morto. Vivo como espírito e como caboclo trago uma nova esperança. Amanhã, na casa onde meu médium mora, haverá uma mesa posta para toda e qualquer entidade que queira ou que precise se comunicar; Independentemente daquilo que haja sido em vida, será bem-vinda. Espíritos de sacerdotes, iniciados e sábios tomarão a forma de simples pais-velhos ou caboclos, e levaremos o consolo ao povo necessitado.

— Parece mais uma igreja que você fundará na Terra...

— Se desejar, poderá chamar de igreja; Para nós é apenas uma tenda, uma cabana.

— E que nome darão a essa igreja?

— Tenda Nossa Senhora da Piedade, pois, da mesma forma que Maria ampara nos braços o filho querido, também serão amparados os que se socorrerem da aumbandhã.

— Por que dar o nome de tenda a essa igreja? Por que inventar novos nomes? Isso não irá complicar mais ainda para a população?

O Presidente José de Souza queria extrair mais alguma coisa da entidade.

— As igrejas dos homens e os templos construídos pelo orgulho humano são muito imponentes. Chamaremos de tenda o local de reunião; Um lugar simples e humilde, como simples e humildes devemos trabalhar para ser.

Como era previsível, o presidente da Federação Kardecista de Niterói não concordou com aquilo que o caboclo brasileiro trazia através de Zélio de Moraes. Contudo, foi obrigado a reconhecer que algo novo surgira naquele 15 de novembro de 1908.

No dia seguinte, a família Moraes se reuniria em sua sala e, juntamente com eles, um grupo de espíritas curiosos que chegaram para ver como seria a nova religião. Aqueles que se sentiram atraídos pelas palavras do caboclo perceberam a arrogância dos dirigentes e foram obrigados a decidir se ficariam no antigo centro espírita ou se fariam parte da tenda, da nova religião. Durante os trabalhos, vários médiuns incorporaram caboclos, crianças ou pais-velhos.

E nascia assim o comprometimento de Zélio de Moraes com a aumbandhã ou, simplesmente Umbanda. Uma religião tipicamente brasileira, considerando-se o tipo psicológico com o qual se apresentam as entidades veneráveis que fizeram da Umbanda uma fonte de luz e sabedoria para as pessoas que se sintonizam com suas verdades.

UM POUCO MAIS SOBRE ZÉLIO FERNANDINO DE MORAES

zellio

Zélio Fernandino de Moraes nasceu no dia 10 de abril de 1891, no distrito de Neves, município de São Gonçalo - Rio de Janeiro. Aos dezessete anos quando estava se preparando para servir as Forças Armadas através da Marinha aconteceu um fato curioso: começou a falar em tom manso e com um sotaque diferente da sua região, parecendo um senhor com bastante idade. À princípio, a família achou que houvesse algum distúrbio mental e o encaminhou ao seu tio, Dr. Epaminondas de Moraes, médico psiquiatra e diretor do Hospício da Vargem Grande. Após alguns dias de observação e não encontrando os seus sintomas em nenhuma literatura médica sugeriu à família que o encaminhassem a um padre para que fosse feito um ritual de exorcismo, pois desconfiava que seu sobrinho estivesse possuído pelo demônio. Procuraram, então também um padre da família que após fazer ritual de exorcismo não conseguiu nenhum resultado.

Tempos depois Zélio foi acometido por uma estranha paralisia, para o qual os médicos não conseguiram encontrar a cura. Passado algum tempo, num ato surpreendente Zélio ergueu-se do seu leito e declarou: "Amanhã estarei curado".

No dia seguinte começou a andar como se nada tivesse acontecido. Nenhum médico soube explicar como se deu a sua recuperação. Sua mãe, D. Leonor de Moraes, levou Zélio a uma curandeira chamada D. Cândida, figura conhecida na região onde morava e que incorporava o espírito de um preto velho chamado Tio Antônio. Tio Antônio recebeu o rapaz e fazendo as suas rezas lhe disse que possuía o fenômeno da mediunidade e deveria trabalhar com a caridade.

O Pai de Zélio de Moraes Sr. Joaquim Fernandino Costa, apesar de não freqüentar nenhum centro espírita, já era um adepto do espiritismo, praticante do hábito da leitura de literatura espírita. No dia 15 de novembro de 1908, por sugestão de um amigo de seu pai, Zélio foi levado a Federação Espírita de Niterói. Chegando na Federação e convidados por José de Souza, dirigente daquela Instituição sentaram-se a mesa. Logo em seguida, contrariando as normas do culto realizado, Zélio levantou-se e disse que ali faltava uma flor. Foi até o jardim apanhou uma rosa branca e colocou-a no centro da mesa onde realizava-se o trabalho. Tendo-se iniciado uma estranha confusão no local ele incorporou um espírito e simultaneamente diversos médiuns presentes apresentaram incorporações de caboclos e pretos velhos. Advertidos pelo dirigente do trabalho a entidade incorporada no rapaz perguntou:

"- Porque repelem a presença dos citados espíritos, se nem sequer se dignaram a ouvir suas mensagens. Seria por causa de suas origens sociais e da cor?"

Após um vidente ver a luz que o espírito irradiava perguntou:

"- Porque o irmão fala nestes termos, pretendendo que a direção aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram quando encarnados, são claramente atrasados? Por que fala deste modo, se estou vendo que me dirijo neste momento a um jesuíta e a sua veste branca reflete uma aura de luz? E qual o seu nome meu irmão?"

Ele responde:

"- Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã estarei na casa deste aparelho, para dar início a um culto em que estes pretos e índios poderão dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem saber meu nome que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim."

O vidente ainda pergunta:

"- Julga o irmão que alguém irá assistir a seu culto?"

Novamente ele responde:

"-Colocarei uma condessa em cada colina que atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei."

Depois de algum tempo todos ficaram sabendo que o jesuíta que o médium verificou pelos resquícios de sua veste no espírito, em sua última encarnação foi o Padre Gabriel Malagrida.

No dia 16 de novembro de 1908, na rua Floriano Peixoto, 30 – Neves – São Gonçalo – RJ, aproximando-se das 20:00 horas, estavam presentes os membros da Federação Espírita, parentes, amigos e vizinhos e do lado de fora uma multidão de desconhecidos. Pontualmente as 20:00 horas o Caboclo das Sete Encruzilhadas desceu e usando as seguintes palavras iniciou o culto:

"-Aqui inicia-se um novo culto em que os espíritos de pretos velhos africanos, que haviam sido escravos e que desencarnaram não encontram campo de ação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas quase que exclusivamente para os trabalhos de feitiçaria e os índios nativos da nossa terra, poderão trabalhar em benefícios dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social. A pratica da caridade no sentido do amor fraterno, será a característica principal deste culto, que tem base no Evangelho de Jesus e como mestre supremo Cristo".

Após estabelecer as normas que seriam utilizadas no culto e com sessões diárias das 20:00 às 22:00 horas, determinou que os participantes deveriam estar vestidos de branco e o atendimento a todos seria gratuito. Disse também que estava nascendo uma nova religião e que chamaria Umbanda.

O grupo que acabara de ser fundado recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade e o Caboclo das Sete Encruzilhadas disse as seguintes palavras:

"- Assim como Maria acolhe em seus braços o filho, a tenda acolherá aos que a ela recorrerem nas horas de aflição, todas as entidades serão ouvidas, e nós aprenderemos com aqueles espíritos que souberem mais e ensinaremos aqueles que souberem menos e a nenhum viraremos as costas e nem diremos não, pois esta é a vontade do Pai."

Ainda respondeu perguntas de sacerdotes que ali se encontravam em latim e alemão.

O caboclo foi atender um paralítico, fazendo este ficar curado. Passou a atender outras pessoas que haviam neste local, praticando suas curas.

Nesse mesmo dia incorporou um preto velho chamado Pai Antônio, aquele que, com fala mansa, foi confundido como loucura de seu aparelho e com palavras de muita sabedoria e humildade e com timidez aparente, recusava-se a sentar-se junto com os presentes à mesa dizendo as seguintes palavras:

"- Nêgo num senta não meu sinhô, nêgo fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nêgo deve arrespeitá",

Após insistência dos presentes fala:

"- Num carece preocupá não. Nêgo fica no toco que é lugá di nêgo".

Assim, continuou dizendo outras palavras representando a sua humildade. Uma pessoa na reunião pergunta se ele sentia falta de alguma coisa que tinha deixado na terra e ele responde:

"- Minha caximba.,nêgo qué o pito que deixou no toco. Manda mureque buscá".

Tal afirmativa deixou os presentes perplexos, os quais estavam presenciando a solicitação do primeiro elemento de trabalho para esta religião. Foi Pai Antonio também a primeira entidade a solicitar uma guia, até hoje usadas pelos membros da Tenda e carinhosamente chamada de "Guia de Pai Antonio".

No outro dia formou-se verdadeira romaria em frente a casa da família Moraes. Cegos, paralíticos e médiuns que eram dado como loucos foram curados.

A partir destes fatos fundou-se a Corrente Astral de Umbanda.

Após algum tempo manifestou-se um espírito com o nome de Orixá Malé, este responsável por desmanchar trabalhos de baixa magia, espírito que, quando em demanda era agitado e sábio destruindo as energias maléficas dos que lhe procuravam.

Dez anos depois, em 1918, o Caboclo das Sete Encruzilhadas recebendo ordens do astral fundou sete tendas para a propagação da Umbanda, sendo elas as seguintes:

Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia;

Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição;

Tenda Espírita Santa Bárbara;

Tenda Espírita São Pedro;

Tenda Espírita Oxalá;

Tenda Espírita São Jorge;

Tenda Espírita São Jerônimo.

As sete linhas que foram ditadas para a formação da Umbanda são: Omulu, Iemanjá, Ogum, Iansã, Xangô, Oxossi e Oxum.

Enquanto Zélio estava encarnado, foram fundadas mais de 10.000 tendas a partir das acima mencionadas.

Zélio nunca usou como profissão a mediunidade, sempre trabalhou para sustentar sua família e muitas vezes manter os templos que o Caboclo fundou, além das pessoas que se hospedavam em sua casa para os tratamentos espirituais, que segundo o que dizem parecia um albergue. Nunca aceitara ajuda monetária de ninguém era ordem do seu guia chefe, apesar de inúmeras vezes isto ser oferecido a ele.

O ritual sempre foi simples. Nunca foi permitido sacrifícios de animais. Não utilizavam atabaques ou qualquer outros objetos e adereços. Os atabaques começaram a ser usados com o passar do tempo por algumas das Tendas fundadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, mas a Tenda Nossa Senhora da Piedade não utiliza em seu ritual até hoje.

As guias usadas eram apenas as determinadas pelas entidades que se manifestavam.

A preparação dos médiuns era feita através de banhos de ervas e do ritual do amaci, isto é, a lavagem de cabeça onde os filhos de Umbanda afinizam a ligação com a vibração dos seus guias.

Após 55 anos de atividade, entregou a direção dos trabalhos da Tenda Nossa Senhora da Piedade a suas filhas Zélia e Zilméia, as quais até hoje os dirigem.

Mais tarde junto com sua esposa Maria Isabel de Moraes, médium ativa da Tenda e aparelho do Caboclo Roxo fundaram a Cabana de Pai Antonio no distrito de Boca do Mato, município de Cachoeira do Macacú – RJ. Eles dirigiram os trabalhos enquanto a saúde de Zélio permitiu.

DESENCARNE:

Desencarnou aos 84 anos no dia 03 de outubro de 1975.

A UMBANDA: (AUMBANDAM)

A Umbanda é uma religião litúrgica e está ligada com a manifestação dos espíritos na matéria, tendo como base da evolução do espírito, a reencarnação e segundo o que as entidades nos dão notícias, ela foi cuidadosamente elaborada pelo Astral Superior para servir ao povo brasileiro, com a manifestação dos espíritos que quando encarnados fizeram parte da História do Brasil e estão com ela envolvidos, caso dos índios, dos pretos africanos e seus descendentes e dos mestiços dos índios e pretos, índios e brancos, que são os chamados Caboclos e os pretos e brancos, que formam a linha dos pretos-velho. Foi explicado pelo Caboclo 7 Encruzilhadas que esses espíritos não podiam se manifestar como guias nas sessões espíritas tradicionais por serem considerados atrasados. Para sanar essa discriminação a umbanda foi introduzida em nossa cultura.

A diferença da linha kardecista e a Umbanda é que a primeira só trabalha com a energia dos médiuns e do espírito, enquanto a nossa Umbanda, além disso, manipula os elementos Terra, Ar, Fogo e Água - explorando o conhecimento dos índios e pretos, através das ervas, ponteiros, imagens, charutos, pólvora (fundango) e guias de proteção, além da grafia mágica da Pemba, giz de forma oval. Ela aceita e usa a força dos elementais, que são os duendes (terra), (ar), salamandras (fogo) e ondinas (água). Além do triangulo espiritual (Caboclo, preto-velho e criança) fazem parte da Umbanda várias linhas, como ciganos, boiadeiros, baianos, marinheiros, médicos, orientais que alimentam a parte esotérica e outras que podem eventualmente serem chamadas. A grande força da Umbanda está com a Quimbanda, onde trabalham os Exus, a esquerda da Umbanda, formada por espíritos também ligados à História do Brasil, no caso os dominadores do nosso Pais, os Europeus. Esse é um resumo para dar ideia da grandeza da Umbanda, que adiante vamos esmiuçar. Embora a Umbanda tenha raiz Africana, afinal os escravos e seus descendentes fazem parte do triangulo caboclos-pretos-crianças, ela está muito distante do Candomblé, uma religião autentica da África e que conflita bastante com os fundamentos da Umbanda, que não vou mencionar por não ser um entendido do Candomblé.

1- A Umbanda foi oficialmente declarada como religião em 1908, mas esse episódio está sendo relegado a plano secundário por várias correntes importantes, que pregam a Umbanda como existente antes desta data. Nós adotamos a data da oficialização do Zélio de Moraes e os seus ensinamentos básicos, embora todas as correntes merecem respeito. O tempo vai corrigir as distorções entre os pregadores através da lei do uso e do costume.

2- O primeiro terreiro de Umbanda fundado oficialmente no Brasil foi a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, hoje ainda em pleno funcionamento sob a responsabilidade da filha do sr. Zélio de Moraes, sra. Zilméia de Moraes.

3- Apesar de sua cultura indígena o Caboclo Sete Encruzilhadas deixou bem claro que a Umbanda tem a sua base fundada no Evangelho de Jesus Cristo, e a relação com a Igreja Católica pelo nome N.S. da Piedade fincou fortes raízes entre as duas religiões, em concreta discordância do Candomblé que não usa o sincretismo com os Santos católicos.

4- Fica bem claro que o sincretismo já era forte quando foi criada a Umbanda, uma vez que ela foi criada em 1908, vinte anos depois da Lei Áurea promulgada pela Princesa Isabel, e o nome da N.S. da Piedade foi reverenciado no primeiro terreiro brasileiro, o do sr. Zélio de Moraes. Esse fato esclarece a razão da Umbanda estar mais ligada com o Catolicismo que com o Kardecismo e Candomblé.

5- Se foi criada a Umbanda como uma religião organizada por espíritos superiores, ela tem um objetivo ainda não bem entendido por nós. Sua função maior é lidar com espíritos que fazem o mal, e devemos considerar de grande importância saber o que eles fazem, como podem fazer e o que precisamos agir para interromper a ação indesejável dessas entidades atrasadas e que não são pertencentes ao quadro dos trabalhadores espirituais da Umbanda.

6- A reencarnação é a mesma base evolutiva do espiritismo tradicional e também de várias outras religiões orientais.

7- Se fazem parte dela os espíritos que quando encarnados tiveram uma atuação positiva ou negativa em nosso Pais, devemos tentar entender como eles se manifestam dentro da Umbanda.

8- O triangulo espiritual da Umbanda está formado pelos caboclos, pretos-velho e crianças, mas além deles outros espíritos fazem parte ativa como guias e linhas espirituais.

9- O espiritismo kardecista trabalha apenas com a vibração da energia dos médiuns e do próprio espírito, enquanto a Umbanda além disso manipula as forças da Natureza, o que lhe dá maior potencial de solução dos problemas.

10- Pela natureza da religião, dá para entender que as linhas têm especialidades de trabalhos, cada uma trabalhando de uma forma e com característicos próprios com a intenção de resolver problemas de formas diferentes.

11- Alguns autores entendem que a Quimbanda é uma religião que não é a Umbanda, entretanto a Umbanda usa, manda e encaminha para a Quimbanda tipos de trabalhos que estão na especialidade dos Exus e das Pombas-gira.

12- Candomblé não é Umbanda e misturar as duas religiões em uma só descaracteriza as duas religiões, não sendo nem Umbanda e nem Candomblé. Nós devemos seguir a Umbanda sem misturar com o Candomblé. Como não sou conhecedor do Candomblé, quem quiser ver as suas diferenças deve estuda-las em livros especializados, que recomendo do Pierre Verger.

13- Os Exus são pelo que entendemos espíritos que também tiveram envolvimento com a história do Brasil. São espíritos de grande inteligência e importância, que viveram com essas qualidades na mesma época do descobrimento. Mais adiante vamos estuda-los com mais profundidade na tentativa de desmistificar as caras demoníacas, chifres e patas de bode que o folclore e o engano popular impuseram a eles, embora eles não desmintam claramente esse erro, talvez para esconderem as verdadeiras identidades, pois pela lei do carma estão à serviço de seus subjugados na época do descobrimento.

As determinações do Plano Astral, porém, deveriam cumprir-se.

Em 15 de novembro de 1908, compareceu a uma sessão da Federação Espírita, em Niterói, então dirigida por José de Souza, um jovem de 17 anos de tradicional família fluminense. Chamava-se ZÉLIO FERNANDINO DE MORAES. Restabelecera-se, no dia anterior, de moléstia cuja origem os médicos haviam tentado, em vão, identificar. Sua recuperação inesperada por um espírito causara enorme supressa. Nem os doutores que o assistiam nem os tios, sacerdotes católicos, haviam encontrado explicação plausível. A família atendeu, então, à sugestão de um amigo, que se ofereceu para acompanhar o jovem Zélio à Federação.

Zélio foi convidado a participar da Mesa. Zélio sentiu-se deslocado, constrangido, em meio àqueles senhores. E causou logo um pequeno tumulto. Sem saber por que, em dado momento, ele disse: "Falta uma flor nesta casa: vou buscá-la". E, apesar da advertência de que não poderia afastar-se, levantou-se, foi ao jardim e voltou com uma flor que colocou no centro da mesa. Serenado o ambiente e iniciados os trabalhos, manifestaram-se espíritos que se diziam de índios e escravos. O dirigente advertiu-os para que se retirassem. Nesse momento, Zélio sentiu-se dominado por uma força estranha e ouviu sua própria voz indagar por que não eram aceitas as mensagens dos negros e dos índios e se eram eles considerados atrasados apenas pela cor e pela classe social que declinavam. Essa observação suscitou quase um tumulto. Seguiu-se um diálogo acalorado, no qual os dirigentes dos trabalhos procuravam doutrinar o espírito desconhecido que se manifestava e mantinha argumentação segura. Afinal um dos videntes pediu que a entidade se identificasse, já que lhe aparecia envolta numa aura de luz.

Se querem um nome - respondeu Zélio inteiramente mediunizado - que seja este: eu sou o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS, porque para mim não haverá caminhos fechados.

E, prosseguindo, anunciou a missão que trazia: estabelecer as bases de um culto, no qual os espíritos de índios e escravos viriam cumprir as determinações do Astral. No dia seguinte, declarou ele, estaria na residência do médium, para fundar um templo, que simbolizasse a verdadeira igualdade que deve existir entre encarnados e desencarnados.

Levarei daqui uma semente e vou plantá-la no bairro de Neves, onde ela se transformará em árvore frondosa.

No dia seguinte, 16 de novembro de 1908, na residência da família do jovem médium, na Rua Floriano Peixoto, 30 em Neves, bairro de Niterói, a entidade manifestou-se pontualmente no horário previsto - 20 horas.

Ali se encontravam quase todos os dirigentes da Federação Espírita, amigos da família, surpresos e incrédulos, e grande número de desconhecidos que ninguém poderia dizer como haviam tomado conhecimento do ocorrido. Alguns aleijados aproximaram-se da entidade, receberam passes e, ao final da reunião, estavam curados. Foi essa uma das primeiras provas da presença de uma força superior.

Nessa reunião, o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS estabeleceu as normas do culto, cuja prática seria denominada "sessão" e se realizaria à noite, das 20 às 22 horas, para atendimento público, totalmente gratuito, passes e recuperação de obsedados. O uniforme a ser usado pelos médiuns seria todo branco, de tecido simples. Não se permitiria retribuições financeiras pelo atendimento ou pelos trabalhos realizados. Os cânticos não seriam acompanhados de atabaques nem de palmas ritmadas.

A esse novo culto, que se alicerçava nessa noite, a entidade deu o nome de UMBANDA, e declarou fundado o primeiro templo para sua prática, com a denominação de tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, porque: "assim como Maria acolhe em seus braços o Filho, a Tenda acolheria os que a ela recorressem, nas horas de aflição".

Através de Zélio manifestou-se, nessa mesma noite, um Preto Velho, Pai Antônio, para completar as curas de enfermos iniciadas pelo Caboclo. E foi ele quem ditou este ponto, hoje cantado no Brasil inteiro: "Chegou, chegou, chegou com Deus, Chegou, chegou, o Caboclo das sete Encruzilhadas".

A partir desta data, a casa da família de Zélio tornou-se a meta de enfermos, crentes, descrentes e curiosos.

Os enfermos eram curados;

Os descrentes assistiam as provas irrefutáveis;

Os curiosos constatavam a presença de uma força superior;

Cinco anos mais tarde, manifestou-se o Orixá Malé, exclusivamente para a cura de obsedados e o combate aos trabalhos de magia negra.

Passados dez anos, o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS anunciou a Segunda etapa de sua missão: a fundação de sete templos, que deveriam constituir o núcleo central para a difusão da UMBANDA.

A Tenda da Piedade trabalha ativamente, produzindo curas, principalmente a recuperação de obsedados, considerados loucos, na época. Já então se contavam às centenas as curas realizadas pela entidade, comentadas em todo o Estado e confirmadas pelos próprios médicos, que recorriam a Tenda, em busca da cura dos seus doentes. E o Caboclo indicava, nas relações que lhe apresentavam com nome dos enfermos, os que poderia curar:

Eram os obsedados, portadores de moléstias de origem psíquica;

Os outros, dizia ele, competia à medicina curá-los.

Zélio de Moraes, já então casado, por determinação da entidade, recolhia os enfermos mais necessitados em sua residência, até o término do tratamento astral. E muitas vezes, as filhas, Zélia e Zilmeia, crianças ainda, cediam o seu aposento e dormiam em esteiras, para que os doentes ficassem bem acomodados.

Nas reuniões de estudo que se realizavam às quintas-feiras, a entidade preparava os médiuns que seriam indicados, posteriormente, para dirigir os novos templos. Fundaram-se, as Tendas:

Nossa Senhora da Guia - Pres. Leal de Souza, cerca de 1918,

Nossa Senhora da Conceição,

Santa Bárbara - Pres. João Salgado,

São Pedro - Pres. José Mendes,

Oxalá - Pres. Paulo Lavois,

São Jorge - Guia Espiritual Ogum de Tibiri, Médium João Severino Ramos, fundada em 1935 e São Jerônimo - Pres. José Álvares Pessoa, após 1935.

Após a criação das sete primeiras tendas iniciou-se ao longo de todo território nacional a criação de tendas, tendo sido implantadas nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo (fundaram-se, na Capital, 23 tendas e 19 em Santos), Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, e Pará (Belém). Neste último estado foi criada a Tenda Mirim Santo Expedito, por Joaquim Bentes Monteiro e sua esposa, que se transferiram para aquele estado com esta finalidade. Em Minas Gerais já conseguimos identificar como originários do Caboclo das Sete Encruzilhadas a Tenda do Silêncio, fundada pelo Dr. Valadão, e a Tenda Umbanda Buscando Luz, fundada pelo General Berzelius e sua esposa, D. Celeste, preparada pela entidade Pai João, e que recebia a guia chefe da casa Vó Quitéria. Posteriormente, Dr. Valadão se aproximou da linha de Umbanda proposta por W. W. da Matta e Silva.

Confirmava-se a frase pronunciada na Federação Espírita: "Levarei daqui uma semente e vou plantá-la no bairro de Neves, onde ela se transformará em árvore frondosa".

Em 1937, os templos fundados pelo CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS reuniram-se, criando a Federação Espírita de Umbanda do Brasil, posteriormente denominada União Espiritualista de Umbanda do Brasil. E em 1947, surgiu o JORNAL DE UMBANDA que, durante mais de vinte anos, foi um órgão doutrinário de grande valor. Zélio de Moraes instalou federações umbandistas em São Paulo e Minas Gerais.

O Período de Afirmação Doutrinária: Como se sabe a história nunca se faz com rupturas drásticas entre um período e outro. Todas as mudanças são anunciadas ao longo do próprio período a ser substituído. Assim também aconteceu com a Umbanda. Ao longo das décadas de 40, 50 60 e 70, vários autores começaram a buscar dar maior consistência doutrinária à Umbanda. Porém, como todas as coisas ocorrem em seu devido tempo, todas as tentativas pecaram por buscar explicações para as origens e os princípios de Umbanda em eras passadas, continentes desaparecidos ou em línguas mortas; outro fato que levou a um fracionamento da Umbanda e às misturas, foi a pretensão de cada autor, sacerdote, ou pai de terreiro, de criar sua própria religião, dando um cunho profundamente personalista aos seus terreiros. Cumpriram, no entanto, seu papel ao colocar cada vez mais clara a importância da Umbanda no Brasil.

Fontes:

Livro Aruanda – Robson Pinheiro e www.espiritualismo.info

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